segunda-feira, 26 de fevereiro de 2024

O Guerreiro Dourado

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Era noite de céu claro e lua minguante, o guerreiro estava sozinho, cercado por dez cavaleiros, sua morte era inevitável, mas morreria com honra, derrotaria quantos pudesse em seu último ato, não tinha nada a perder. Sua armadura dourada era a última lembrança de seu reino que fora devastado. Carregava um lenço branco amarrado no pulso direito, era a memória de sua amada a quem deixou para lutar em nome de um rei hoje já morto.

O primeiro veio em sua direção com a espada em punho, ele tentou golpeá-lo, mas o guerreiro era esperto e ágil, no último instante desviou a espada com seu escudo e o contra-atacou, enfiando a espada que carregava em sua garganta. O segundo veio logo em seguida, aproveitou sua distração e chegou pelas costas, percebendo a investida abaixou-se desviando do golpe certeiro. No chão rolou para o lado e avançou aproveitando o impulso proveniente de quando se levantou e cravou sua espada no estômago do covarde.

Agora restavam os outros oito, vendo sua determinação atacaram em grupo, veio três de uma vez. O primeiro golpeou de cima para baixo, o guerreiro parou o ataque com seu escudo. Enquanto isso o segundo veio com a espada reta na direção de suas costas. Ele percebeu, mas não podia sair pelo lado direito, pois o terceiro estava esperando para dar o bote e no esquerdo aguardavam os outros inimigos.
Empurrou o escudo que segurava o golpe do primeiro, este se desequilibrou por tamanha violência, então deu um giro completo no seu próprio eixo esticando seu braço com a espada. Foi tão rápido e forte que o cavaleiro que vinha detrás e estava sem seu elmo não percebeu quando a espada lhe decepou a cabeça.
 
O da direita se assustou e deu três passos para trás. Quando voltou a sua posição original investiu contra aquele que atacou primeiro, tinha quase caído pela força que pusera no escudo e com um dos joelhos no solo tentava levantar-se. E por isso, não teve tempo de reagir, o golpe veio de baixo para cima lhe rasgando armadura e peito.

O terceiro cheio de fúria vendo os seus caírem partiu para cima com todas as forças, mas seu ataque foi imprudente por tamanha ira que lhe tomou o coração. Desse o guerreiro se desviou fácil, passou direto e enfiou a espada em suas costelas.
 
Ainda restavam cinco. Estavam irritados e com medo de tal determinação. “Qual o motivo que o impulsionava a lutar? Seu rei, seu reino, seu povo havia sido perdido”, indagavam. Mas não era momento para divagações.
 
O sexto oponente veio em sua direção. Um golpe que o guerreiro dourado facilmente segurou com o escudo, mas ele era esperto e traiçoeiro, em sua cintura tirou um punhal. Enquanto defendia o golpe o atacante inimigo com a arma recém empunhada a penetrou na junta da armadura, na altura do ombro direito. O ataque foi certeiro. A dor era enorme, mas não amoleceu. Com força afastou a espada do atacante com o escudo e contra atacou cortando seu pescoço. Enquanto o sangue jorrava, tratou de tirar o punhal de seu ombro.

Os quatro restantes resolveram partir para o último ataque juntos. O primeiro veio pela frente, o guerreiro defendeu com seu escudo. Ele olhou para trás e viu que o segundo vinha em sua direção, mas não podia fazer nada, ainda estava segurando o ataque do primeiro, apenas conseguiu proteger sua cabeça. O inimigo fincou seu machado nas suas costelas. Era seu fim, assim pensou. Mas quando foi golpeado o da frente abaixou a guarda, recuou demais e lhe deu espaço para agir. Mesmo com o machado em suas costelas avançou, o atacante continuou segurando a arma e ele sentiu a lâmina saindo de seu corpo.

O cavaleiro a sua frente assustou-se, quando pensou em se defender sua cabeça já estava no chão, mesmo erro do primeiro decepado, estava sem seu elmo. O que estava na direita decidiu atacar, esse foi seu fim, o escudo segurou o golpe e o guerreiro dourado mesmo ferido foi rápido para contra-golpear. A espada atingiu o pescoço, tamanha era a fúria que a cota de malha afundou junto com o aço da espada.

Restavam apenas dois. O guerreiro estava ferido, mas não se renderia tão facilmente. O que golpeou nas costas veio outra vez em um novo ataque. Ele se virou e o viu correndo em sua direção, suas vistas estavam escurecendo, mas conseguiu segurar o golpe com o escudo. Porém, o segundo veio e lhe acertou a junção do braço esquerdo com o ombro, se não fosse à armadura o teria arrancado, mas não estava muito melhor, seu braço agora estava pendurado, sem forças seu escudo caiu no chão inutilizado.

Ainda queria lutar, estava disposto a ir até o fim. Enquanto os dois ainda olhavam seu braço ferido, ele estocou aquele que estava em sua frente no peito, tinha forças para rasgar a armadura inimiga, o golpe foi direto no coração. O cavaleiro restante não acreditava na determinação do guerreiro. Estava praticamente morto, mas mesmo assim lutava como se sua vitória significasse também a de seu povo, mas seu povo não mais existia.

Com o braço esquerdo pendurado e cambaleando se virou para o último inimigo que deu um passo para trás, estava com muito medo. "O que mais esse moribundo pode fazer?" Pensou. Mas avançou, não poderia esmorecer, afinal o combatente já estava quase morto. O guerreiro dourado não se moveu, estava parado feito uma coluna do castelo de seu rei. O inimigo estava próximo, mas antes de dar o golpe aquele com a armadura dourada tirou seu elmo. Imediatamente o atacante parou.

— Deixarei que viva para que conte a minha história, para que conte sobre a minha determinação, para que assim meu reino viva comigo pela eternidade.

O cavaleiro inimigo respondeu aliviado. — Assim será!

Ele levantou sua espada e decepou-lhe a cabeça que voou para longe. Um silêncio perturbador se instaurou. O cenário era trágico, era um mar de corpos e sangue. A luta acabara, mas o combatente sobrevivente ainda estava assustado e envergonhado. Sabia que aquele guerreiro que vestia uma armadura dourada havia vencido aquela batalha.

quinta-feira, 11 de janeiro de 2024

Resenha: Filhos do Éden – Anjos da Morte



Essa é uma resenha que tenho muito orgulho, pois ela ganhou um concurso promovido pelo próprio autor. Veja Aqui.

Anjos da Morte é o segundo livro da trilogia Filhos do Éden, escrita pelo Eduardo Spohr. Muito mais soturno e intenso que o primeiro, o livro se divide em duas narrativas nos apresentando parte dos conflitos do século XX e dando continuidade cronológica a Herdeiros de Atlântica.

Depois que a colônia atlante Athea caiu e do querubim Denyel parar no rio Oceanus, a ishim Kaira, deixa de lado sua missão principal para tentar resgatá-lo e para isso conta com a ajuda do querubim Urakin, velho conhecido, e o novo membro do coro, Ismael, um hashmalim. A missão agora é encontrar Egnias, outra cidade do dizimado reino de Atlântida, para acessarem outro afluente do rio Oceanus.

Enquanto Denyel está perdido no místico rio, Spohr nos mostra o exilado no esquadrão Anjos da Morte, um grupo de alados formado por sete malakins a serviço do Arcanjo Miguel que cujo objetivo inicial é colher informações sobre as guerras travadas pelos humanos no século XX.

Do Dia D a Queda do Muro de Berlim. É nesse período que vemos o anjo da morte Denyel agir a mando do malakim Sólom, o Primeiro dos Sete. O acompanhamos nos capítulos mais sombrios do século XX, presenciamos o terror dos combates e a paranoia da Guerra Fria. Observamos o seu decair moral, a sua transgressão dos princípios de sua casta e entendemos assim o motivo que o levou a ser o pária que nos é apresentado no primeiro livro.

E destrinchar Denyel não é um mero capricho, muito menos o “viajar pelas guerras”, tudo está ligada ao plot principal e a medida que Kaira avança em sua busca por Egnias, as histórias vão se completando. Perguntas que ficaram em Herdeiros de Atlântida são respondidas e outras são criadas.

Spohr mistura lugares reais com fictícios para criar sua história. Passeia por cenários conhecidos, como as ruas de Paris e outros nem tão bem conhecidas como as ermas florestas do Camboja. Usa também o misticismo dos nazistas e a busca dos soviéticos por algo que lhes daria vantagem na Guerra Fria contra os EUA para desenvolver e fazer a ligação entre as duas narrativas.

Enquanto Kaira e seu coro enfrentam desafios para achar Egnias, entendemos melhor a natureza da arconte, assim como o papel do Primeiro Anjo na trama. Novos personagens são apresentados, não apenas anjos ou demônios, mas seres humanos que interagem com Denyel em sua jornada e essa proximidade faz com que o anjo exilado aprenda muito com a humanidade.

As questões filosóficas e morais que vem se mostrando uma marca do autor estão em Anjos da Morte, além de nos fazer pensar, passar uma mensagem, também as vezes delimita o que é ser um anjo e um ser humano. A mesma questão pode ter respostas conflitantes e estarem certas, depende do ponto de vista de qual ser a vislumbra.

O cuidado com as descrições das cenas e principalmente com os fatos históricos que ilustram o livro nos coloca exatamente no clima de uma Segunda Guerra ou de um conflito no Vietnã. O vocabulário, o cinema e principalmente as músicas também servem para colocar o leitor no clima da época.

A leitura flui em capítulos curtos e objetivos. E é essencial prestar atenção nos detalhes, isso é importante para reconhecer as conexões com o primeiro livro e seus personagens. O spohrverso vai crescendo, algumas castas angelicais vão sendo mais exploradas, além de algumas facetas da própria guerra civil celestial. Entendemos melhor também a guerra entre os atlantes e os enoquianos e como a magia era usada nos tempos de antes do dilúvio.

É uma grande aventura que termina, posso dizer, de uma forma curiosa no epílogo apresentado deixando ainda mais ansioso para ler o próximo e último livro da série.

A Casa da Rua 13

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A única casa abandonada da Rua 13 era preenchida pelo medo; insondáveis mortes ocorreram ali. Três forasteiros sem abrigo, desconhecedores da fama daquela residência, resolveram pernoitar na habitação. Já instalados, ouviram gemidos e vozes, e sentiram um forte arrepio. Pegaram a única lanterna e foram em direção ao som. Um velho lustre tombado e um esbarrão promoveram uma corrida desenfreada. Cada um, por conta do pânico, foi para um lado, e a lanterna, devido à azáfama, despedaçou-se. As vozes macabras continuavam a perturbá-los. Era uma noite densa; nuvens taciturnas cobriam o céu. Isolados e sem contato entre si, ouviram passos e, com pedaços de madeira que encontraram, armaram-se para duelar, e assim o fizeram.

Principiou o amanhecer. Dois no chão e um de pé; no entanto, o único inimigo que existia naquele lugar havia vencido. O medo, o espectro da morte, os consumira. Os primeiros raios de sol rasgaram o céu que se abriu ao astro rei. O forasteiro sobrevivente pôde observar que não havia opositor algum e, aos prantos, ajoelhado, desabafou: “Nós nos matamos, nós nos matamos”. Essa era a realidade; aquela casa havia feito mais três vítimas, duas de corpo e uma de alma. A casa da Rua 13 continuava com seu ritual singular.